Novo entendimento da TNU sobre aposentadoria híbrida: as Turmas de Uniformização e o desafio de Ícaro
“Lembremos a história da mitologia grega. O jovem Ícaro era filho de Dédalo, famoso inventor grego e descendente de Zeus. Foram Dédalo e Ícaro que construíram o labirinto de Creta e nele aprisionaram Minotauro. Porém, após a morte do Minotauro por Teseu, Dédalo e Ícaro é que foram aprisionados no labirinto, condenados pelo Rei Minos por traição. Como sair dali sem ajuda, um local preparado justamente para impedir qualquer saída? Voando. Apenas voando, pensou Dédalo e, para tanto, com todo cuidado, construíram dois pares de asas com a cera do mel de abelhas e penas de gaivotas. Antes de empreender fuga, Dédalo alertou Ícaro para que não voasse muito alto, porque o calor do sol derreteria a cera, nem muito baixo, porque a umidade do oceano pesar-lhe-ia as asas até não suportar mais. Ícaro não lhe ouviu. Fascinado com a possibilidade de voar, subiu, subiu seduzido até que… derreteu-se a cera, soltaram-se suas asas e, do mais alto, Ícaro despencou. Dédalo desesperou-se por não evitar a morte de seu filho, mas conseguiu escapar da prisão.
A notícia é realmente muito importante para o direito de proteção social. A Turma Nacional de Uniformização reviu sua jurisprudência para agora expressar que, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida, modalidade de aposentadoria que permite o cômputo de tempo rural não contributivo com períodos contributivos, não se deve exigir que o trabalhador esteja vinculado ao campo quando do implemento do requisito etário. A decisão, de lavra do eminente Juiz Federal Bruno Carrá, foi proferida no dia 12/11/2014 (PEDILEF5000957-33.2012.4.04.7214). A decisão é incensurável, pois a exigência de vinculação ao trabalho rural se afigura desproporcional, como sustentei alhures.
No entanto, o principal tema dessa postagem não é o conteúdo da decisão, mas a preocupação de que o movimento pendular da jurisprudência de uniformização pode comprometer de vez a efetividade do sistema dos juizados especiais federais.
Digo comprometer de vez porque o sistema dos juizados especiais federais, pensado para ser célere, não é célere, pensado para orientar-se pelo princípio da simplicidade, não é simples. Isso por uma série de razões que vão desde a notória insuficiência de recursos pessoais até o arranjo normativo com recursos que parecem não ter fim.
Pois bem.
Sobre o direito à aposentadoria por idade híbrida, a notícia publicada no dia 14/02/2014 no site do Conselho da Justiça Federal tinha como título “Aposentadoria híbrida é privativa do trabalhador rural“. Fazia-se referência, então, à decisão da TNU proferida por ocasião do julgamento do Processo 5001411-58.2012.4.04.7102 (j. 14/02/2014, Rel. Juíza Federal Ana Beatriz Palumbo). Segundo aquela orientação da TNU (fevereiro de 2014), para fazer jus à aposentadoria por idade híbrida, o trabalhador deveria estar vinculado ao campo quando do implemento do requisito etário.
Uniformizado o tema, a tendência é a do alinhamento das instâncias ordinárias. A diminuição de recursos, já que a Turma de Uniformização já se manifestou sobre a questão. Diz-se que a tese se encontra uniformizada.
Sem embargo, pouco mais de 6 meses depois, a Turma Nacional de Uniformização reviu seu posicionamento, para decidir que não é requisito da aposentadoria por idade híbrida que o trabalhador esteja vinculado à atividade rural ao tempo em que completa a idade. A notícia publicada no dia 21/11/2014 traz como título “É permitida a concessão de aposentadoria híbrida por idade mediante a mescla de períodos trabalhados em atividade rural e urbana”. A referência, agora, é à decisão proferida quando do julgamento do Pedilef 5000957-33.2012.4.04.7214 (j. 12/11/2014, Rel. Juiz Federal Bruno Carrá).
Em meu modo de pensar, a nova orientação da TNU confere interpretação mais adequada à problemática e, diga-se, alinhada com os primeiros precedentes do STJ sobre o tema (REsp 1367479 e REsp 1407613, ambos oriundos da Segunda Turma).
É certo que não se deve engessar a jurisprudência das turmas de uniformização, especialmente quando há graves e sérios fundamentos a exigir a sua superação. De qualquer modo, perdemos todos com as alterações de entendimento e com o movimento pendular da jurisprudência. Isso retira dos atores processuais (advogados públicos e privados, mas também os juízes e membros do Ministério Público) condições de previsibilidade das decisões de uniformização e de pautarem suas atividades de acordo com a orientação que é firmada.
Um possível efeito dessa oscilação jurisprudencial é o fomento de interposição de recursos manejados por atores processuais que passam a apostar suas fichas em nova alteração de entendimento. Estimulam-se a recorrer, pois os precedentes passam a comportar muito pouco de sua eficácia persuasiva. A máquina judiciária, já sufocada, tende a enfrentar ainda mais recursos, o processo tende a ser ainda mais moroso e o sistema dos juizados especiais, de simples, cai na ordinária complexidade. Um labirinto.
Uma possível causa da instabilidade da jurisprudência dos Juizados Especiais Federais é o mandato temporário (2 anos) dos membros da Turma Nacional de Uniformização, o que implica, a todo tempo, abertura para um novo pensar e um relativo fechamento para as vozes e as razões de todos os magistrados que por ali passaram e que pensavam diferente.
As instâncias de uniformização têm diante de si um autêntico desafio de Ícaro. Com a missão institucional de estabilizar a interpretação de lei federal, enfrentam o desafio de empreender uma adequada aplicação do direito. Contudo, não devem buscar, a todo tempo, a melhor interpretação de todas, revisando incessantemente sua jurisprudência com vistas a se aproximar daquela que, em determinado momento, se julga a de mais elevada compreensão, pois é justamente esta sedutora incursão que propicia as condições que lhe minam a credibilidade, inviabilizam o cumprimento de seu desiderato institucional e lhe subtraem a própria razão de ser.
Fonte: www,joseantoniosavaris.com.br
Autor: Comunicação Alteridade
Postado: 29/11/2014