Papel do gestor na liderança de pessoas
Artigo de Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva
1. Introdução
No mundo corporativo, seja no âmbito das empresas privadas ou no Poder Público, sobressai a importância do trabalho em equipe. As demandas são crescentes e o trabalho individual não atende mais aos resultados esperados. Muito além do fato de que a equipe agrega força de trabalho, sabe-se que um time de alta performance supera qualquer individualidade genial porque une diversidade de perfis comportamentais e de habilidades, sendo, por isso, mais completo e com maiores condições de alcançar resultados promissores sem perder de vista a atenção aos relacionamentos dos membros da equipe.
Abordaremos aqui o papel do gestor na liderança de pessoas.
2. Papel do gestor na liderança de pessoas
A missão mais nobre do gestor é desenvolver sua equipe. O ideal seria que a percepção dos membros da equipe fosse no sentido de que passar um tempo ao lado do gestor faz bem. É preciso que o gestor assuma esse papel.
Por algum tempo, o conceito de liderança foi colocado com romantismo e até de forma utópica, assustando muitos profissionais com essa alta exigência.
Assim, temos o primeiro paradigma que traz a pessoa do Chefe, é o autocrático, capataz. Ele é muito focado na tarefa e não se importa com o sentimento das pessoas. Já o segundo paradigma coloca a figura do líder, uma pessoa inspiradora, carismática, focado nas pessoas. Dão o exemplo de Gahndi, Kennedy, Martin Luther King e até de Jesus Cristo. No entanto deve-se oferecer as ferramentas da liderança também para pessoas comuns.
Surge, então, o terceiro paradigma, consistente na pessoa do gestor. O gestor é aquele que está preocupado com os dois “erres”, isto é, com o relacionamento e com o resultado. O gestor se preocupa em incrementar os resultados e os relacionamentos.
Desse modo, todos podem gerir suas equipes sendo preparados para isso. Importa conhecer as pessoas por meio de feedback e da delegação.
O gestor é a pessoa detentora de determinada parcela de poder e de conhecimento, advindo um grau de autoridade que garante sua sustentação em determinado nível de legitimação perante o grupo. Além dessa dimensão técnica, o gestor precisa desenvolver uma qualidade definida com potencial de liderança.
O juiz e o servidor gestor, ainda que atuem em uma unidade judiciária, não se restringem somente à atividade fim, ou seja, de prestação jurisdicional, mas são desafiados a liderar suas equipes. Assim, são quatro as funções básicas do administrador: planejar, organizar, dirigir e controlar, sendo que na função de direção é que o líder se faz mais necessário. Conforme Hunter, liderança é “a habilidade de influenciar as pessoas para trabalharem entusiasticamente visando alcançar os objetivos identificados como sendo para o bem comum”.
Bergue define liderança como “a capacidade de fazer com que o grupo, ainda que sob condições adversas, responda positivamente à indicação de um rumo de ação, por reconhecê-la como viável e necessária. Liderar, portanto, é influenciar legitimamente pessoas.”
Por muito tempo se pensou que os líderes seriam pessoas com traços que o distinguem dos demais. Seriam verdadeiros heróis com habilidades raras. O líder já nasceria com esses traços específicos. Ficou então conhecida como a Teoria dos Traços ou Teoria do Grande Homem. Aos poucos, essa teoria foi sofrendo algumas críticas e a liderança passou então a ser concebida como um atributo que pode ser desenvolvido, aprimorado e estimulado. Trata-se de uma habilidade que pode ser aprendida e desenvolvida por alguém que tenha o desejo de praticar as ações adequadas.
Papel do gestor na liderança de pessoas
Essa concepção da liderança como uma habilidade a ser desenvolvida é um grande alento para todos. Mesmo aqueles que não se destacam na oratória ou que são muito tímidos, ainda assim, podem desenvolver a liderança.
A liderança deve ser exercida com autoridade e não com poder. Enquanto poder é a faculdade de forçar ou coagir alguém a fazer sua vontade, por causa de sua posição ou força, mesmo que a pessoa preferisse não fazer, autoridade é a habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa vontade o que você quer por causa de sua influência. Percebe-se que estamos exercendo nossa liderança se nossos liderados fazem de boa vontade o que pedimos. Já, aquele que chefia, sem liderar, só consegue que seus subordinados façam alguma coisa, uma vez que temem alguma consequência gravosa. A demissão, na iniciativa privada e a perda da função comissionada no poder público.
O grande salto nos estudos sobre liderança veio da abordagem contingencial, com ênfase na capacidade de adaptação do líder a cada contexto ou situação. É o que se chamou de liderança situacional. Bergue esclarece que: “Os traços de liderança são contingenciais – ou seja- são ditados pelo momento histórico, ambiente, nível organizacional, condições e características do grupo e da atividade”.
Alguns magistrados ficam perplexos, no início de suas carreiras, pela liderança que exercem. Não raro, precisam substituir em diversas comarcas e acabam ter que exercer junto a cada equipe um tipo diferente de liderança. Diante de equipes desmotivadas, precisam ser enérgicos. Se estão frente a um grupo sem disciplina, precisam colocar um mínimo de ordem para que o trabalho possa ser realizado. Junto a uma equipe workaholic é preciso transmitir tranquilidade e zelo pela saúde. Na verdade, estão exercendo, ainda que intuitivamente, a liderança situacional. Estão demonstrando flexibilidade e atendendo às necessidades e não às vontades de suas equipes. Atenta-se, então, para observar as necessidades da equipe e até que ponto se está exercendo a chamada liderança situacional.
Para ser líder, não basta ter o cargo ou a função comissionada de gestão. A liderança, por ser um fenômeno inter-relacional, depende de os liderados reconhecerem o líder como tal. É justamente esse reconhecimento por parte dos liderados de que o líder é fundamental para o alcance dos objetivos que faz o líder se apropriar desta condição.
Para a consecução dos objetivos comuns, o líder deve conhecer a missão, as metas, o contexto socioeconômico e ambiental da instituição que atua. A seguir, deve fazer com que os liderados conheçam os objetivos bem como buscar o seu comprometimento por meio de um comportamento que exteriorize os valores adotados pela instituição.
Papel do gestor na liderança de pessoas
Normalmente, o líder no poder público chega no grupo quando este já está formado. Por esta razão, recomendável ao servidor ou magistrado que se dedique, no princípio, a observar e conhecer o grupo, percebendo a sua dinâmica, os conflitos existentes se houve, e suas potencialidades. Esse conhecimento não ocorre somente no ambiente formal, enquanto realizadas as tarefas profissionais, mas abrange também os momentos informais, quando em um pequeno lanche na copa da organização pública, se comemora os “aniversários do mês”, por exemplo. Nesses momentos, o líder tem a oportunidade de perceber algumas características a mais dos colaboradores, percebe quem exerce a liderança no grupo e pode saber um pouco mais sobre as vidas particulares dos colaboradores, é claro sem ser invasivo, mas sempre demonstrando genuíno interesse pelas pessoas.
O líder, além de agente condutor, é um ícone de comportamento e desempenho para as pessoas. Por isso, ética e postura pessoal e profissional são essenciais na personalidade do líder como um indivíduo confiável.
De acordo com Hunter, quando sustenta que “a chave para a liderança é executar as tarefas enquanto se constroem os relacionamentos”. “Para que um relacionamento de qualquer ordem possa ser bem sucedido é preciso que haja confiança.” Portanto, o líder precisa ser alguém confiável, em quem se possa confiar. Seu comportamento precisa ser minimamente previsível, pois líderes com alto grau de instabilidade emocional geram medo em seus colaboradores. Por não se saber qual será sua reação, ou qual o seu humor atual, há um receio generalizado que impede inclusive a comunicação de informações relevantes que poderiam colaborar para o melhor desempenho da equipe.
Dessa forma, antes de gerir uma equipe, é fundamental saber gerir a si mesmo. O processo de autoconhecimento é o primeiro degrau que deve ser escalado pelo líder. Costuma-se dedicar ao estudo de tantas ciências e a maioria das pessoas passa a vida sendo desconhecidas para si próprias.
Papel do gestor na liderança de pessoas
Precisa-se refletir sobre o percurso histórico, celebrar e ser gratos por nossas conquistas e extrair o aprendizado dos seus erros. O líder deve ter a capacidade de olhar honestamente para si mesmo, de perceber seus talentos e suas falhas e estar sempre empenhado na busca de sua melhor versão.
De acordo com Hunter, “o líder precisa ser honesto, confiável, cuidadoso, comprometido, manter as pessoas responsáveis, tratar as pessoas com respeito, incentivar as pessoas, ter uma atitude positiva, entusiástica e gostar de pessoas”. É primordial que o líder verdadeiramente goste de pessoas e que os colaboradores percebam isso. Gostar de pessoas significa querer o bem daquele colaborador, perceber suas necessidades pessoais, seus sonhos e aspirações e incentivá-lo a ir além, mesmo que isso signifique sair da equipe para galgar uma posição melhor. Um líder, magistrado ou servidor, que gosta de pessoas se preocupa além do incremento nas estatísticas que aquela pessoa pode dar. No momento em que o colaborador percebe esse bem querer, certamente tratará de retribuir com seu trabalho em termos de agilidade e qualidade.
No Poder Judiciário, uma atitude que vem amenizando esse distanciamento dos juízes, que normalmente têm um gabinete apartado da secretaria judicial como local de trabalho, é a prática de se “despachar em secretaria”. O juiz, então, vai até a secretaria, onde estão os autos físicos para examiná-los e, com isso, acaba tendo maior interação com a equipe. Em algumas regiões e segmentos da Justiça, como a Justiça Federal da 4ª Região, na qual o processo eletrônico foi estabelecido na totalidade das unidades judiciárias, o magistrado pode se utilizar de outros mecanismos para se aproximar da equipe, como a realização de reuniões periódicas, trabalhar com a porta do gabinete aberta, sempre que possível, participar dos eventos sociais promovidos pela equipe, dentro e fora dos prédios da Justiça, ou mesmo periodicamente caminhar por toda a secretaria buscando saber da situação de todos os setores judiciais.
Como apontado por Russo, “nem todos os magistrados são líderes, embora estejam numa posição de chefia”. Sabe-se que a figura do líder se diferencia da figura do chefe. Macieira (apud RUSSO) diferencia as figuras do líder e do chefe referindo que o chefe tem compromisso com o passado, foco na manutenção, poder da posição, competência técnica, informação é poder e responsabilidade pela tarefa, enquanto o líder tem compromisso com o futuro, foco na inovação, habilidade de influenciar, competência interpessoal, informação compartilhada e responsabilidade pelo resultado. Acrescenta-se, ainda, que o chefe manda e o líder orienta, aquele se vê como alguém de fora da equipe, enquanto este é alguém com alto senso de pertencimento à equipe.
3. Conclusão
Importa que o líder tenha em mente que não possui o dever de comandar e de gerenciar, nem mesmo de estar presente para resolver qualquer incidente. Todavia, o líder deve centrar-se no desenvolvimento e na facilitação, empregando suas forças na capacitação da equipe, para que deem o melhor de si. Ademais, o líder deve oferecer aos liderados liberdade e responsabilidade para que tomem suas próprias decisões. De fato, atualmente, inclusive no serviço público já é possível perceber uma mudança na forma dos relacionamentos funcionais, considerando que os gestores têm se focado em uma nova visão, fundada na qualidade, no cumprimento de metas e na transparência, tudo com o objetivo de alcançar uma atividade estatal eficiente.
É comum que os magistrados e gestores do Poder Judiciário, quando apresentados às teorias sobre liderança na Educação Judicial, se identifiquem com alguns estilos de liderança como, por exemplo, as lideranças refinada, por credibilidade e servidora. Salientam que o número elevado de processos aliado à falta de tempo seriam os maiores obstáculos ao exercício da liderança, mas também reconhecem que o investimento de tempo em Gestão de Pessoas resulta em melhor clima organizacional e melhoria na prestação jurisdicional. Relatam frequentemente que precisam exercer nossa liderança de diferentes formas de acordo com as necessidades da equipe, já que, como posto por Hunter, o líder atende às necessidades e não às vontades da equipe e exerce sua liderança com a equipe e não sobre ela.
Não há receita pronta para o exercício da liderança e nos cursos de formação inicial de magistrados, diante da angústia dos alunos em como devem exercer a liderança, aconselha-se que observem a equipe primeiramente. Sim, pois só se pode identificar as necessidades das equipes conhecendo as pessoas que trabalham nela. E mais, que só se extrai a melhor versão dos servidores quando exercitado o amor fraterno, o bem querer à equipe sem interesse de nada em troca. Quando se atinge mais que mentes e corações, em busca de um ideal, chega-se a um patamar diferenciado de liderança e, só assim, a liderança servidora é plenamente exercida.
No mais, o líder que habita em cada um de nós vai se mostrando a cada dia e em cada nova situação. Vamos nos aprimorando com nossos erros e acertos. O certo é que tentando estaremos sempre evoluindo.
Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva é Juíza Federal, Mestre em Direito Público pela PUCRS, Doutora em Business Administration pela Florida Christian University, Formadora da ENFAM nos módulos de Formação Inicial e Continuada, com o tema Gestão de Pessoas, em tribunais Estaduais, Federais, Trabalhistas e Militares.
Referências
BERGUE, Sandro Trescastro. Gestão de Pessoas em organizações
públicas. 3. ed. Caxias do Sul: Educs, 2010.
BROLLO, Sílvia Regina Salau. Alguns apontamentos sobre liderança. In:
Curso Modular de Administração da Justiça: Planejamento Estratégico/Org.
Luiz fernando Wowk Penteado; Vera Lúcia Feil Ponciano. São Paulo: Conceito
Editorial, 2012.
COVEY, Stephen. Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes. 46. ed.
Rio de Janeiro: Bestseller, 2012.
FINAMOR, Ana Lígia Nunes et al. Construção de Equipes de alto
desempenho. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015.
LUZ, Márcia. Coach Palestrante: torne-se um profissional 5 estrelas. Editora DVS, 2017.
HUNTER, James C. O Monge e o executivo uma história sobre a liderança.
Tradução: Maria da Conceição Fornos de Magalhães. Rio de Janeiro: Sextante,
2004.
RUSSO, Andreia Resende. Uma moderna gestão de pessoas no Poder
Judiciário. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do estado do rio grande do Sul,
Departamento de Artes gráficas, 2009. 198 p.