APOSENTADORIA ESPECIAL: ARMADILHAS PROCESSUAIS EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA
Diego Henrique Schuster
A despeito da necessidade de um estudo mais aprofundado do problema em outras áreas do Direito, seguimos com a série de casos em que criada uma situação que implica verdadeira “armadilha processual” para o autor nas lides previdenciárias, como já tivemos oportunidade de sustentar aqui.
Este pequeno artigo pretende provocar uma reflexão sobre a finalidade do processo previdenciário e, logicamente, buscar soluções possíveis aos riscos judiciais a que estão expostos os segurados da previdência social.
Uma situação envolvendo o que denominamos de “armadilha” ocorre quando o tribunal reconhece o direito do segurado a uma aposentadoria especial, seja mediante a conversão do tempo de serviço comum em especial, seja mediante o reconhecimento da especialidade de período entre 06/03/1997 a 18/11/2003, com fundamento no agente físico ruído acima de 85 decibéis. Inconformado, o INSS recorre da decisão. O STJ, por sua vez, conhece do pleito e afasta o direito da parte à conversão do tempo comum em especial ou, como se preferir, afasta a natureza especial da atividade, em razão do ruído ser inferior ao que prevê o Dec. 2.172/97.
O efeito devolutivo de que são dotados os recursos é restrito à matéria de competência do respectivo tribunal. Assim, o STJ limita-se à questão da conversão do tempo de serviço comum em especial ou ao ruído acima de 90 decibéis, sem estender sua análise a outros pontos, como a consideração de outro agente nocivo ou tempo de serviço especial superveniente. Mesmo que a reafirmação de DER pudesse violar a lei federal, ao STJ não seria possível ampliar sua cognição sobre tal ponto, porquanto não invocado no recurso do INSS.[1] O mesmo vale para outro agente nocivo.
Com o retorno dos autos, ao tribunal caberá a análise do pedido de reconhecimento de outro agente nocivo – sobre o qual não houve manifestação judicial, mas comprovada a exposição – e/ou do pedido de reafirmação de DER, podendo, neste último, o tribunal agir de ofício. Muito cuidado, pois, cabe ao autor opor embargos contra a decisão que não se manifestou sobre os agentes químicos, em sede apelação. Ainda, é necessário verificar se o STJ determinou, no dispositivo da decisão, o retorno dos autos à origem, para o tribunal “a quo” dar seguimento à análise, em particular a apreciação de pleitos sucessivos.
Já se viu casos em que o STJ afastou a possibilidade de conversão do tempo de serviço comum em especial e, simplesmente, determinou a averbação do tempo de serviço especial reconhecido. Após o trânsito em julgado, somos assim levados a concordar que o autor não poderia ter permitido a preclusão da decisão. No entanto, nem a teoria nem a prática podem, pois, satisfazer-se com uma postura tão mortífera. A decisão do STJ não deveria sequer demandar esclarecimentos, já que outra não poderia ser a solução que não o retorno do feito para o tribunal de apelação, que, agora sim, possui motivos para analisar o pedido de reafirmação de DER, qual seja, a insuficiência de tempo de serviço especial até a DER.
Estou debruçado sobre um caso em que o segurado postulou o direito a uma aposentadoria especial, mediante a conversão do tempo de serviço comum em especial, e, em ordem sucessiva/subsidiária (leia-se: caso não seja possível uma aposentadoria especial, seja analisada:) uma aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão do tempo de serviço especial em comum. A sentença julgou o pedido principal procedente. O tribunal, no julgamento da apelação interposta pelo INSS, manteve a sentença, com o reconhecimento da aposentadoria especial, e mediante a conversão do tempo de serviço comum em especial.
Bom, daqui pra frente a história é a mesma. O INSS recorreu da decisão/acordão, afastando o Superior Tribunal de Justiça o direito a uma aposentadoria especial com fundamento, exatamente, na impossibilidade de conversão do tempo de serviço comum em especial (0,71). Com o retorno dos autos ao tribunal, o autor pugnou pela apreciação do pedido de aposentadoria por tempo de contribuição. Não obstante: “A parte ora requerente não apelou da sentença que foi mantida no julgamento do apelo do INSS e do reexame necessário.”
Note-se que não existia interesse recursal, nem contra a sentença nem contra o acórdão do tribunal. Por óbvio, a mudança não apenas causou surpresa, mas implica a necessidade de o feito retornar ao tribunal de origem para se analisar a possibilidade de concessão de outro benefício previdenciário, em homenagem aos princípios da colaboração e do contraditório enquanto garantia de não surpresa (CPC, arts. 5º, 6º, 8º e 10), para citar apenas estes. O artigo 10 prevê expressamente: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”
No caso concreto, sob a surpresa e injustiça assumida de uma fundamentação, é possível se afirmar que, em razão de uma armadilha processual, se deixou de analisar o direito do autor a uma aposentadoria por tempo de contribuição. Assim, parece plenamente adaptável a situação em que, a pretexto de que a lei limita a possibilidade de conversão do tempo especial a 28 de maio de 1998, deixa de analisar a especialidade do período posterior a esse marco temporal, violando literalmente o disposto nos artigos 141 e 492 do CPC/2015 [arts. 459 e 460 do CPC/1973].[2] Seria, pois, possível uma ação rescisória sob o fundamento de o decisum ser citra petita? Afinal, deu-se menos do que se pediu, ou melhor, não foi analisado o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição.
É também nesta perspectiva – a de que devemos considerar a finalidade do processo – que é preciso perguntar: pode o segurado ser prejudicado por uma atuação deficitária até do seu advogado, até do Juiz, até de todos aqueles que estavam operando no processo? O autor não pode ser prejudicado em razão de algo para o qual não concorreu com o seu comportamento processual.
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Bah1: Ademais, na tese fixada pelo STJ no Tema 995: “É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.”
Bah2: TRF4 5027961-17.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 14/09/2018.