Os termos iniciais do prazo para a revisão dos benefícios previdenciários após o advento da Lei nº 13.846/2019
Bruno Henrique Silva Santos
A Lei nº 13.846/2019 promoveu importantes alterações no regramento jurídico relacionado ao prazo prescricional (tido como decadencial pela jurisprudência e por parte da doutrina) decenal para a revisão de benefícios previdenciários, às quais é preciso se dar a devida atenção, sobretudo pelo risco de passarem imperceptíveis em razão de a questão ser tratada em um único dispositivo legal: o art. 103 da Lei nº 8.213/91.
Neste momento, busca-se tecer algumas considerações a respeito das modificações empreendidas pela nova lei no que diz respeito aos termos iniciais do prazo de revisão dos benefícios previdenciários após o advento da Lei nº 13.846/2019, aos quais os operadores do direito devem estar atentos. É importante registrar, antes disso, que o novo regramento aplica-se tão somente aos benefícios previdenciários concedidos após a entrada em vigor da Lei nº 13.846/2019, haja vista o princípio da irretroatividade das leis[1].
Pois bem.
A Lei nº 13.846/2019, resultado da conversão da Medida Provisória nº 871/2019, conferiu nova redação ao caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91, que passou a estabelecer o seguinte:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de dez anos, contado:
I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.
A redação anterior da norma em comento referia que “É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo“.
Como se vê, a redação atual do dispositivo legal em análise versou de maneira mais detalhada sobre o início do prazo revisional, de acordo com a espécie do ato a ser revisto. Diversas possibilidades, portanto, agora se abrem.
O caput do art. 103 passou a tratar separadamente das pretensões voltadas contra a decisão do pedido originário de benefício previdenciário (“ato de concessão, indeferimento”), contra a suspensão do benefício (“cancelamento ou cessação”) e contra decisões proferidas no bojo de revisão de benefício em curso (“deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício”). Nos casos de decisões relacionadas à revisão de benefícios, chama a atenção a diferenciação feita pelo legislador entre “indeferimento” e “não concessão”.
Se é certo que todo indeferimento de pedido de revisão implica necessariamente a sua não concessão, a recíproca não é verdadeira. Com efeito, é possível que, por força de lei ou de ato administrativo, o INSS seja obrigado a revisar de ofício atos de concessão de benefícios previdenciários. Nestes casos, se a Autarquia descumpre seu dever, a não concessão não decorre do indeferimento de um pedido do seu titular, mas de uma pura omissão.
Para cada uma das hipóteses acima elencadas, o art. 103 da Lei nº 8.213/91, com as alterações promovidas pela MP nº 871/2019, convertida na Lei nº 13.846/2019, cuidou de especificar, nos incisos I e II do caput, os respectivos marcos iniciais do prazo revisional. Vejamos, então, quais são.
Nas situações em que se busca a revisão de um ato de concessão de benefício previdenciário contra o qual não houve interposição de recurso administrativo, a regra permanece idêntica àquela prevista na redação anterior do art. 103 da Lei nº 8.213/91, ou seja, o prazo decenal tem início no dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação (primeira parte do inciso I).
Já quando se trata de pretensão voltada contra a omissão do INSS em promover revisão de ofício de ato concessório, o prazo tem início na “data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto”(parte final do inciso I).
Apesar de a Lei nº 13.846/2019 ser claramente inconstitucional na parte em que incluiu no âmbito de abrangência do prazo revisional os atos de indeferimento, cancelamento e cessação de benefícios previdenciários[2], caso se admita a validade da norma, o prazo de dez anos para que os segurados se insurjam contra eles terá início no dia em que tomarem conhecimento da decisão administrativa indeferitória, ou que determina o cancelamento ou a cessação (primeira parte do inciso II).
Enfim, a parte final do inciso II do caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 trata dos casos de pretensão dos segurados contra as decisões proferidas pelo INSS em sede de revisão dos atos concessórios de benefícios previdenciários, situações em que o prazo decenal inicia com a cientificação dos respectivos titulares acerca da decisão de deferimento ou indeferimento no âmbito administrativo. Evidentemente, o deferimento de um pedido de revisão somente dará azo à insurgência de seu titular quando ele for apenas parcial. Na hipótese de integral acolhimento do requerimento de revisão, não haverá pretensão a ser deduzida em Juízo.
Importante observar que, ao contrário do que ocorria na redação do caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 conferida pela Lei nº 9.528/97, a partir das alterações promovidas pela MP nº 871/2019, convertida na Lei nº 13.846/2019, deixou-se de versar sobre o termo inicial do prazo revisional na hipótese de interposição de recurso administrativo contra o ato de concessão do benefício previdenciário. Ainda assim, não há outra solução a ser adotada senão a de que, nessa situação, dito prazo começa a fluir a partir do momento em que a última decisão na esfera recursal torna-se definitiva e chega ao conhecimento do segurado. Com efeito, enquanto não se tem uma manifestação imutável administrativamente, não se pode concluir que o direito do segurado tenha sido negado pelo INSS. Via de consequência, a pretensão do beneficiário não pode ser considerada como resistida, ante a pendência de uma manifestação final da Autarquia a seu respeito. Para se chegar a esta conclusão, não se faz necessária disposição legal expressa, valendo a lógica do art. 4º do Decreto nº 20.910/32, do qual se depreende que a demora na apreciação dos fatos pela Administração impede o início da fluência do prazo prescricional.
Este mesmo raciocínio aplica-se em relação a recursos administrativos que venham a ser interpostos contra as decisões proferidas pelo INSS no bojo de pedidos de revisão de benefícios formulados por seus titulares. Por mais que o inciso II do caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 disponha que, em tais casos, o prazo decenal tem início a partir da ciência dos beneficiários sobre a decisão de deferimento ou indeferimento, a decisão a ser considerada é aquela proferida na última instância administrativa.
Bruno Henrique Silva Santos é Juiz Federal e o autor do livro “Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário”, 2ª Ed. 2019, publicado pela Alteridade.
[1] Maiores considerações a respeito da eficácia temporal das modificações trazidas pela Lei nº 13.846/2019 podem ser encontradas na obra “Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário”, 2ªed, de minha autoria, publicada pela Editora Alteridade.
[2] A respeito da inconstitucionalidade na estipulação de prazo que extingue o direito de acesso a um benefício previdenciário, benefício este que se traduz em um direito fundamental indisponível, feita através da alteração do art. 103 da Lei nº 8.213/91 pela Lei nº 13.846/2019, remeto o leitor ao artigo de minha autoria “A inconstitucionalidade da alteração do art. 103 da Lei nº 8.213/91 pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019”, publicado no site da editora Alteridade (https://www.alteridade.com.br/artigo/artigo-inconstitucionalidade-da-alteracao-do-art-103-da-lei-8-213-91-mp-871-2019/) e no CONJUR (https://www.conjur.com.br/2019-jan-25/bruno-santos-inconstitucionalidade-alteracao-lei-821391), bem como às considerações tecidas na obra “Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário”, 2ªed, também de minha autoria, publicada pela Editora Alteridade